terça-feira, 17 de julho de 2012

Paredes de concreto


Os brancos chamavam aquela região de Coqueirais. Já os negros, a chamavam de Campos de punição, ou simplesmente zona de Terror.
O que importa era que, negros ou brancos, todos sabiam que naquelas fazendas na beira-rio, repleta de coqueiros, que davam nome ao local, pessoas sofriam, enquanto outras enriqueciam.
Se fosse lá há cento e vinte anos, veria negros peneirando café, regando árvores e plantando mais grãos. Veria crianças desde cedo começando a sofrer, e veria mulheres engravidando de senhores, a quem não podiam negar momentos de deleite conquistados com ameaça.
Veria hora ou outra crianças brancas partindo com malas lotadas para enfrentar difíceis jornadas para chegarem à Europa para estudar. Pois eram estas crianças brancas.
Mas eis que um dia algo aconteceu. Talvez um dia eu conte toda a história, mas o que nos importa neste momento é que um jovem de doze anos não viajou no dia previsto, e voltou para a fazenda do pai.
Foi na época em que o café sustentava o Brasil, e Zumbi fundava quilombos. O menino nasceu com o nome de Luís Bezerra Neto. A pele alva só tinha uma imperfeição, um corte no canto do olho, que lhe rendia alguns apelidos entre os seus.
Já ela nasceu na senzala, entre paredes de concreto, tristeza e sofrimento. Seu nome era Maria Lurdes, e apenas isso. Vestia roupas surradas, que haviam sido de outras três crianças, antes de chegar a ela. De pés descalços ela se divertia em horas vagas, que quase nunca vagavam.
Quando voltou, triste por ter de alterar o dia de seu embarque, Luís foi se queixar com seus amigos. Dois pajens tentavam acompanhá-lo, mas apenas tentavam, pois era rebelde, e fugiu deles, e acabou se perdendo.
Ela também corria. O feitor em seu encalço. E se chocaram em meio à distração. E bendito seja o deus que abençoou aquele momento, e a pessoa que o eternizou nestas linhas.
- O que... Quem é você? – ele perguntou assustado. O pai sempre o alertara a se manter bem distante de gente daquele tipo.
- Chamo-me Maria de Lurdes! – disse ela decidida.  – Você deve ser o Branquinho que vive na casa. Pois saiba que não gosto de gente como você, e do jeito que tratam gente como eu.
Ele ficou vermelho de raiva.
- Meu pai vai chicotear o seu. Vão arrancar sua língua por isso. – disse ele, mas já naquele momento, na parte mais árida de seu coração, um milagre acontecia, e algo dava frutos.
A discussão que se seguiu só os juntou mais. Ambos puderam desabafar seus traumas um com o outro, e notaram algo em comum: ambos sofriam, mas por motivos diversos.
E a paixão uniu os dois seres nos anos que se seguiram, e eles enfrentaram desafios para se manterem juntos. Ele matou ao pai. Ela perdeu o seu como castigo pela afronta aos brancos.
Antes dos 20 anos eles fugiram, e nunca mais foram vistos em pessoa na Região de Coqueirais.
Os mais falantes, porém, ainda hoje dizem que um casal maltrapilho volta e meia aparecia na Zona do terror, e conversava com antigos escravos, e faziam belíssimos discursos no meio da noite, trazendo alegria e conforto aos pobres. Mas o que mais intriga era que esse misterioso casal desaparecia na manhã seguinte deixando em paredes de casas a seguinte mensagem: “Não existe cor, nem raça, mas existe um deus, e este é incolor”.
Texto de: Kaio Rodrigues

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